TEXTO: Fome de Feijão
Quando o sinal soou e a classe despencou pela escadaria abaixo, Caio sentiu, vindo da cantina do colégio, o aroma de cebola e alho sendo fritos, logo seguido pelo cheirinho de feijão refogado.
Parou ao pé da escada, com o risco de ser esmagado pela corrente humana que continuava despencando. Não queria deixar o cheiro escapar-lhe das narinas...Feijão! Feijão cozido no dia, refogadinho com cebola e alho, talvez temperado com uma folhinha de louro, alguns pedaços de carne ou linguiça boiando no caldo. Feijão!
Caio desviou-se dos colegas, não respondeu aos acenos dos amigos que queriam marcar um futebol mais tarde, ao passar pelo portão nem reparou no sorriso de Luana - garota a quem no dia anterior procurara feito louco.
A fome enchia seu estômago, seus olhos, seu cérebro. Fome. Fome de almoço. Fome de feijão.
Correu para casa pensando na terrível, desesperadora possibilidade de a mãe não ter feito feijão para o almoço naquele dia.
A pizzaria da avenida, por onde sempre passava em seu caminho para casa, exibia por trás das vitrinas os pizzaiolos exercendo sua arte. Fervia de gente almoçando. Caio captou com o rabo dos olhos, uma pizza saindo do forno a lenha: a crosta crocante, a mussarela derretida se espalhando entre pingos de molho de tomate e o orégano derramando seu perfume pela calçada.
Mas o garoto nem piscou. Naquele dia, trocaria cinco pizzas de mozarela, suas preferidas - por uma concha bem cheia de feijão. Feijão. Feijão!
Dobrou a esquina onde a padaria exibia os pãezinhos quentes e doces tentadores. Na vitrina desfilavam os pães doces recheados com creme de baunilha e frutas cristalizadas, os bolos cobertos de glacê, chocolate granulado e cerejas, as tigelinhas de musse aveludada em vários sabores.
Impassível, Caio passou pelo perigo; nem um olhar para os sonhos recheados, nos quais costumeiramente desperdiçava a mesada e o apetite do almoço. Nem um suspiro ante os suspiros brancos, crocantes por fora e macios por dentro, exalando o doce cheiro do açucar. Nada.
Ele queria, desejava, anelava, precisava apenas de um prato bem cheio de feijão.
Mal respirou ao entrar em casa. A porta, a sala, o corredor não chamaram sua atenção. Sobre a mesa da cozinha, nem farejou uma vasilha transbordando de batatas fritas douradinhas: parou, desiludido, ante uma travessa de macarronada fumegante, o molho vermelhinho escondido sob uma cachoeira de queijo ralado.
- Não tem feijão?... -perguntou, a voz miúda diante de tanta fome.
Foi então que viu a mãe, retirando do fogão o caldeirão onde o objeto de seu desejos borbulhava.
Feijão cozido no dia, refogado em alho e cebola, temperado a louro e com pedaços de carne e linguiça boiando no caldo espesso. Ah!...
Devorou um prato, dois, dois e meio.
Muitos almoços e jantares haveriam de acontecer ainda, na vida de Caio. Muitas iguarias ele provaria, doces e salgadas, com o passar dos anos. Mas talvez ele nunca mais comesse algo com um prazer tão completo como naquele dia em que, inexplicavelmente, saiu do colégio com fome de feijão.
Rosana Rios
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ATIVIDADE:
1. refogado
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2.louro
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3.impassível
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4.exalando
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5.anelava
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6.fumegante
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7.iguarias
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Tu deverás anotar os significados no caderno!
Bom trabalho!!!
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